A recente declaração do deputado federal Marcos Pollon (PL-MS), orientando produtores rurais a driblarem a legislação brasileira para conseguir armamento pesado, escancara não apenas a irresponsabilidade de setores da política com o debate sobre segurança pública, mas também a perigosa naturalização da violência como ferramenta de poder no campo.
Durante um evento do movimento “Invasão Zero”, Pollon sugeriu que fazendeiros criem javalis ou fundem clubes de tiro em suas propriedades para obter registro de CAC (Caçador, Atirador e Colecionador), o que permitiria a posse de armas de grosso calibre. A fala, que em outro contexto soaria como anedota, é uma estratégia deliberada de contorno à legislação. Mais do que isso, trata-se de uma tentativa de institucionalizar a formação de milícias rurais sob o pretexto de legítima defesa.
Em vez de fortalecer o papel das instituições estatais na mediação de conflitos fundiários e na garantia da segurança pública, a proposta de Pollon aposta na lógica da privatização da força — uma lógica que fragiliza o Estado, encoraja ações violentas e coloca a lei nas mãos de quem tem maior poder de fogo.
É importante lembrar que o Brasil já possui uma legislação clara sobre o uso de armas e a posse para fins de caça ou defesa. No entanto, a manipulação desse arcabouço legal para fins políticos e ideológicos está criando uma cultura paralela, em que proprietários armados se sentem autorizados a agir como autoridades em seus territórios. O resultado, como a história já demonstrou inúmeras vezes, é o aumento da violência, do medo e da impunidade — especialmente em regiões marcadas por desigualdades estruturais e disputas históricas por terra.
Ao defender que produtores se armem, o deputado não resolve o problema das invasões. Ele o agrava. Armas não são ferramentas de mediação. São instrumentos de intimidação e, frequentemente, de morte. Em vez de apaziguar tensões, a militarização do campo tende a aprofundar o abismo entre grupos sociais, legitimar execuções extrajudiciais e colocar em risco comunidades inteiras — incluindo trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas e pequenos produtores.
É sintomático que o discurso armamentista ganhe força num momento em que o país tenta, ainda que com dificuldade, retomar a discussão sobre a reforma agrária, a regulação fundiária e a pacificação de áreas rurais. Ao incentivar o uso de armas em um ambiente já marcado por violência histórica, o deputado colabora para um cenário de guerra — não de solução.
Não se trata de negar o direito à segurança dos produtores rurais. Trata-se de reafirmar que essa segurança precisa vir do Estado, por meio de políticas públicas eficazes, presença policial adequada e canais legais de resolução de conflitos. Transformar o campo em uma zona autônoma armada é declarar falência da ordem democrática.
O Brasil não pode aceitar que discursos como o de Marcos Pollon avancem sem contestação. É papel do Congresso, da imprensa e da sociedade civil denunciar o desmonte da lógica institucional e a normalização da violência privada. O país não precisa de mais armas nas mãos de civis — precisa de mais Estado, mais justiça e mais compromisso com a paz.